Rosto
E foste feito assim:
de seixos, gravetos e silêncio.
Como certas aves compõem seus ninhos
assim te construí, sussurrado,
de coisas minhas, grave e lenta.
E eras construção tão forte – ponte sobre a noite –
e eu ficava mais pobre à medida que te fazia,
vazia de mim mesma,
sangrada,
rosto disperso em cacos de espelho.
Tocava de leve a tua face
como se encostasse a mão numa parede
quente do meu sol emprestado.
Era meu esse rosto que te dei.
Hoje venho buscá-lo.
Trago ainda a cabeça inclinada
pela passagem da onda amarga,
o olhar de colheitas devastadas.
Mas estendo as mãos para retomar meu rosto
feito de seixos, conchas e gravetos
agregados nessa matriz de silêncio.