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Carnaval

O carnaval me fantasiava e eu era outra.  Pernas e peito de fora,  uma havaiana toda flores e rosto pintado.

O carnaval era isso. Então.

Ganhava um saco de confete,

um conjunto de rolos de serpentina,

Um tubo de lança-perfume,de metal fosco dourado. Rodo.

O Rodo era o dourado fosco, o líquido evaporava gelado de encontro à pele,  o  perfume muito proibido no  pescoço, nos braços, por dentro das coxas. Ah que gelado! Não pode cheirar!

Pegava o rolo de serpentina como um anel, segurava com as duas mãos na frente do corpo

Soltava a ponta de dentro.

E a serpentina se soltava do aro e jorrava por dentro  dele, fugia, escapava com um movimento de água no ralo,  serpeava, escorria e eu olhando o milagre..

A voz do meu irmão:

– Joga, joga, tem que jogar!

Ele  queria que eu lançasse o rolo segurando pela ponta de fora, queria movimento.

E eu estava quieta, encantada, queria só o movimento parado do olhar.

E a minha serpentina se desfazendo em anéis, se liquefazendo, se desmanchando em água e cetim.

Até o aro ser uma única faixa de fita, já mole e sem forma.

E o chão eram montanhas de anéis de serpentina ,boas de chutar e empurrar por aí afora.

Mas eu ia fazer sanfoninhas, me sentava, pegava dois pedaços, de duas cores diferentes, segurava-os em ângulo reto e começava o meticuloso trabalho de dobrar uma ponta sobre a outra, virar, dobrar a outra ponta sobre a primeira e virar, dobrar, virar, dobrar, virar, eram pedaços pequenos e ainda assim demorava.

E a sanfoninha ia se fazendo aos poucos, a cada movimento de dobrar e virar se fazia  um gomo, uma dobra  da sanfona, que depois seria comprimida e puxada, comprimida e puxada, eis que era uma sanfona de verdade, como se o ar criasse resistência.

E um dia olhei para baixo e o meu peito começava a brotar  e no ano  seguinte  o carnaval  seria outro e nunca mais a havaiana com o peito chato de fora, com duas rodinhas bem desenhadas, nunca mais.

E os confetes jogados por cima da cabeça, leves, leves, presos nos cabelos, grudados no suor do rosto pintado, ah meu carnaval sem bailes nem blocos , meu reino e minha alegria feitos de olhar, suor e papel.

POSTADO EM 19 DE JULHO
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