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O amante
Sabemos por nós: buscando o outro, chegamos a nós mesmos. O caminho da paixão, o aprendizado do amor, é parte importante do aprendizado do ser, é, ele mesmo, aprendizado do ser. Quem seriam Emma Bovary e Anna Karennina fora de suas rotas em busca do desejo? O que seriam Romeu sem Julieta, Abelardo sem Heloisa, Tristão sem Isolda, Dante sem Beatriz? Através da paixão e sua trajetória, os grandes amantes são lembrados.
Assim também com ele. Era um pequeno ser tão modesto: jamais seria lembrado, se não fosse pelo seu excepcional amor. Nem ao menos teria identidade própria. Seria apenas um pato, entre os outros patos do quintal de uma tia-avó distante.
Mas mamãe sempre me falava dele porque aquele pato se apaixonou por uma galinha.
Não sei se era correspondido. Se era, devia ser no íntimo da amada, que não lhe demonstrava amor nem lhe correspondia as atenções. Artifícios de mulher fatal, talvez. Ignoro se as galinhas têm esses requintes de sedução. Mas a paixão não é menos paixão por não encontrar sua contrapartida. Ao contrário, era um amor infeliz e não correspondido e isso lhe alimentava e tornava trágico o desejo.
Vivia atrás dela no galinheiro e algumas vezes teve que fugir do galo. Até que um dia reagiu e a cozinheira precisou apartá-los. Ficou todo lanhado de bicadas e unhadas. A lenda começava.
Mas o pior era de noite. Dia após dia, mal o crepúsculo baixava, ele se acercava da amada para dormir a seu lado. Apenas isso: apenas permanecer a seu lado, com gentilezas de menestrel. Buscava o mesmo poleiro, tentava equilibrar-se. Mas seus pés de pato não tinham o reflexo automático de se agarrar ao poleiro durante o sono e, mal cochilava, desequilibrava e caía, não sei se para a cacarejada geral do galinheiro. Ficava horas e horas assim, em sucessivas e frustradas tentativas.
Terá valido a pena? “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. E esse pato decerto tinha a alma grande para atravessar as pontes da espécie e se apaixonar por um único ser, entre tantos, escolhido.
E aqui estou eu, mais de cem anos depois, lembrando sua história e de sua amada, que ele alçou às alturas. Quando todos os outros patos, galos e galinhas daquele galinheiro jazem no esquecimento.
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