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Com y, h e z

Eu sou boba, boba, boba. Isso mesmo: bobinha. E se puserem a mão nas minhas costas – um tapinha – e eu gostar, mais um pouco já estou apaixonada. Apaixonadíssima mesmo.

Trinta anos, como é que pode? Mas apaixono fácil; o difícil, depois, é esquecer. Deve ser meu nome: Suely Therezinha, com y, h e z, minha cartomante disse que é um nome de muita força e paixão. Impetuosa, apaixonada, voluntariosa. Mas também muito doce. “E tua pedra é pedra-da-lua”. Saí de lá me achando mais bonita e um pouco exótica.

Então, depois que eu pego de pensar em alguém, aí fico pensando o tempo todo, como se ele fosse a maior maravilha do mundo, penso que o beijo dele é melhor do que todos, e que ele é muito coitadinho e precisa de mim.

Também é bom, porque aí eu não preciso de mais ninguém – me distraio com meus pensamentos, é uma espécie de cinema dentro de mim – é só eu ter um tempinho, que ligo a máquina – ah! vou pensar nele, e vivo com ele, durmo com ele, vou aumentando, aumentando, até que a cabeça começa a doer, quero pensar um pouco em outra coisa e não consigo, e então começa a atrapalhar meu trabalho porque me distraio, fico cansada, como pouco, dou de emagrecer, fico muito pálida, de olheiras, fraca, fraca, suando frio. Quando eu era pequena, mamãe pensava que eram lombrigas. “Ih, essa menina já deve estar de novo com lombrigas!” E me dava um remédio chamado Ascari... não lembro o nome todo do remédio, só sei que na caixa tinha a figura de uma criança forte e corada e mamãe decerto queria que eu ficasse assim. Depois vinha um tempo de Emulsão de Scott – com aquele homem com o bacalhau nas costas. Nunca que ela ia desconfiar que, tão pequena, eu já estava era pensando em homem. Não em homem mesmo, mas em professor, artista de cinema, de fotonovela, essas coisas.

Teve um tempo que eu pensava muito no professor de geografia, um todo bonito, de olhos verdes – diziam que ele falava indecências para as alunas mais velhas e salientes. Para mim, ele nunca falou, mas eu gostava de imaginar que sim. E de pensar que ele um dia ia ser atropelado bem na minha frente e aí eu é que ia ter que levar ele pro Pronto Socorro. E quando ele acordasse do choque, a primeira cara que ia ver era a minha. Aí queria me agradecer, mas nem podia falar direito com todas aquelas ataduras, e eu botava o dedo nos lábios pedindo silêncio (como aquele retrato de enfermeira que a gente vê em corredor de hospital). E com os olhos compreensivos e compassivos mostrava que não havia necessidade de palavras entre nós. E ele ia ficar me olhando muito, muito mesmo, e eu olhando para ele, tanto, tanto, que nós começaríamos a derreter só com o calor dos olhos. Depois de alguns minutos, começaríamos a lamber o rosto um do outro e o derretido seria mel, chocolate, e todas as coisas mais doces do mundo... Não, isso eu nunca pensei, cruzes! é até esquisito dizer que eu pensei isso, mas juro que não; é só uma maneira de contar que eu estava um bocado apaixonada.

Então eu pensava (isso é verdade) que, se a mulher dele morresse, ele ia ficar muito triste e precisar alguém para consolar e ser muito compreensiva com os ataques de tristeza dele, assim calado e soturno. E eu, toda compreensiva, compassiva, toda mãe, toda irmã mais velha, eu ia ser essa pessoa. E já vinha minha mãe com o tal remédio para lombrigas.

Agora, a diferença é só que não tem mais ninguém para me dar remédio. E também não estudo mais geografia. Mas penso essas coisas iguaizinhas e mais umas outras que não posso contar, sobre uma pessoa que é segredo. Mas aprendi a me controlar mais, a disfarçar melhor. Então penso sem mexer a boca no ônibus, nem fazer caras. E ninguém vem mais me perguntar: “Que é isso, falando sozinha?” E também já choro bem menos pela rua. Porque reparam muito essas coisas. Se a gente chora só um tiquinho na rua pensam logo que é tristeza, tragédia, nunca entendem que a gente pode chorar por coisas imaginadas.

Agora, uma coisa eu digo: se eu invocar com alguém, tiver quase um nojinho de uma pessoa, então não adianta tapinha nas costas, não adianta ser supergentil e tal. Trato com frieza. Não sei fingir amor. Isso é também do meu temperamento apaixonado, a cartomante me disse, temperamento de muita sinceridade. Só disfarço um pouco se gostar. Para não parecer saliente demais. Mas isso é educação, e também para o homem dar valor, minha mãe me ensinou há muito tempo. Mas aí eu sou toda gentilzinha, e ele vai pensar que sou assim com todo mundo. E eu até tenho gênio. Mamãe diz que eu fui muito geniosa em criança.

Nos meus pensamentos eu não sou mulher fatal, mas mesmo assim o meu apaixonado me adora mais que ninguém, sofre calado e tudo, assim meio durão, até o dia em que não aguenta mais e me pede perdão (isso, se tiver feito alguma coisa errada, claro) e se não tiver feito nada, pede uma outra coisa qualquer, mostra o lado fraco dele (acho que se diz carente), e sofredor e tudo. E aí, de tanta ternura e bondade eu quase faço pipi nas calças. (Não sei se fica bem eu contar isso).

Suely Therezinha, com y, h e z. Não é mesmo um nome de força e paixão? Por isso escrevi para a Televisão, para aquele programa de casamento, explicando o meu tipo: sou morena clara, miúda, não me acho bonita, mas dizem que sou bonitinha. Esse retrato não é bom, não sei se devia mandar; mas é o único que eu tenho. Sou cordial, sincera e apaixonada, gosto de música romântica, amo a natureza e as coisas simples que a vida tem a oferecer. Gostaria de encontrar um rapaz assim como eu: romântico, trabalhador, sincero e, se possível, um pouco triste. Não precisa ser rico, mas se for, não tenho nada contra. Mas que ame as coisas simples da vida. Se aparecer alguém assim, por favor, escreva e acho que não se arrependerá. E se não for bem assim mas quase, escreva também, quem sabe?

Não sei se isso é sonho de uma pessoa boba. Mas eu também sou um pouco esperta. Porque, afinal, não estou perdendo nada. E enquanto não aparece um homem assim, vou pensando no meu amado impossível, aquele que eu disse que era segredo; um que eu queria tanto, tanto, mas que de tão secreto e impossível, nunca vou encontrar. Acho que ele nunca nem reparou em mim. E então, apesar do meu nome – Suely Therezinha – eu tenho que ser prática e procurar um outro amado qualquer; não custa descrever meu tipo ideal. E só enquanto espero, é que vou pensando e sonhando. E chorando só um pouquinho no ônibus.

POSTADO EM 19 DE JULHO
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