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Confeitaria

Parei junto ao balcão: um doce e uma Coca-cola. E esperei encostada ao vidro, olhando pelas portas abertas o vai-vem da calçada.

A senhora aproximou-se, desenvolta. Tinha um rosto ainda jovem, matronada só pelo corpo, amplo nos quadris, farto de coxas e seios. Bem vestida e maquilada, cabelos pintados de louro e modelados com laquê, os pés pareciam pequenos para suportar-lhe o peso, calçados em sapatos altos de bico fino, o peito do pé pulando de dentro da forma estreita. Alguma coisa no tronco modelado dizia-me que vestia cinta e corpete apertados.

– Uma torta com baba-de-moça, disse toda feliz.

Em tempos de regimes e dietas, dava gosto ver-lhe o brilho dos olhos, a certeza com que desejava e pedia o doce. Se viveu dúvidas, culpas, dramas de consciência, teria sido antes; naquele momento, decisão tomada, o gosto do chocolate já amaciando em delícias a voz bem modulada, era só desejo, satisfação antecipada e alegria. Inteira como um seixo. Toda perfeita nos gestos redondos.

Esticou as mãos perto de mim para apanhar a torta, e por um instante as vi, brancas e cheias, as unhas tratadas, o dedo mindinho alçado, vários anéis apertando a carne fofa. Nem tendão nem veia entrecortavam a maciez daqueles magníficos exemplares. Uma mulher para Rubens, pensei. Enquanto conferia num relance minhas mãos descarnadas e nodosas, um pouco engelhadas e escuras. E voltava-me de longe a adolescência, magra numa época de decotes generosos sublinhando bustos memoráveis.

– Mas você serviu a torta sem baba-de-moça!

Assustei-me com o ardor da recriminação. E quando olhei, já a garçonete respondia tranquila:

– Não, senhora, a baba-de-moça está aí, dentro da torta.

Mas a mulher retrucava rápida:

– Olha aqui, olha aqui, e abria o guardanapo, intensa, exibindo o conteúdo para os fregueses perplexos. Me diz, onde está a baba-de-moça! 

E falava tão cheia de profunda ofensa que o pedaço minguava a olhos vistos.

A mocinha continuava indiferente e mal respondeu.

– Eu vi, eu vi bem quando você estava cortando! A sua faca espremeu a torta e toda a baba-de-moça que devia ser da minha fatia saiu e ficou aí no prato, para os outros.

E apontava a travessa, ardente.

– Não, senhora. Esse doce aqui é dos outros pedaços. A sua fatia já tem toda a baba-de-moça a que a senhora tem direito. Se a senhora queria mais, devia ter comprado separado. Nós temos em tigelinhas. Na torta é só essa quantidade certa – tornou a garçonete, austera.

Mas essa equidade, tão longe do terreno do desejo, só serviu para espicaçar a irritação da outra.

– Isto é um absurdo! Eu saí da minha casa, vim aqui especialmente para comer torta com baba-de-moça, e me acontece uma coisa dessas! Se eu quisesse comer baba-de-moça pura, eu pedia. Olha, minha filha – e na sua ira permitiu-se certa condescendência – eu como torta nessa confeitaria muito antes de você trabalhar aqui. E sei muito bem a quantidade de baba-de-moça a que a gente tem direito em cada fatia. E para o caixa:

– Me veja outra. Eu pago outro pedaço, mas quero com baba-de-moça. (pedaço/fatia?)

Começava a juntar gente. O caixa trocou um olhar com a garçonete que, contrariada com o rumo dos acontecimentos, serviu ainda dois rapazes e afastou-se para o fundo da loja. A mulher esperava muito digna e ofendida, o doce intacto sobre o prato. Eu tinha acabado de comer, mas espichava uns últimos goles do refrigerante, aguardando o desfecho.

Voltou a garçonete, acompanhada agora pelo gerente. Que cumprimentou a freguesa pelo nome e pediu notícias da família. Em seguida serviu-a, colocando por cima da nova fatia uma farta colherada de baba-de-moça e outra de fios-d’ovos. Queixando-se de que o fornecedor já não fazia tortas como antes, vinham secas, ela tinha razão. Mas a mocinha não tinha culpa, não sabia que ela era da casa, se fossem servir a todos como ele fazia agora, tinham prejuízo, lá isso tinham; quando fosse assim, mandasse chamá-lo. Uma freguesa tão boa... E mais isso e mais aquilo.

Aplacada, a mulher suspirou fundo, todos suspiramos, quando levou o garfo à boca, toda recolhida, pálpebras semicerradas. Depois, enquanto mastigava no silêncio ungido que se seguiu, olhou em torno, baixou os olhos e corou, modesta. E num sorriso tímido, emendou, muito delicada e contrita:

– Eu adoro torta com baba-de-moça.

POSTADO EM 19 DE JULHO
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