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A menina que me visita: a professora de aquarela

A minha professora de aquarela é muito boa. Ela parece uma palmeira pequena plantada bem reta no chão, com pernas e braços fortes, olhos brilhantes de bola de gude e nenhum remédio atrapalhando o sangue. Vendo ela assim plantada no chão e te olhando sem nem uma nuvem no céu de dentro, a gente percebe que ela só fala a verdade.

A gente mostra um desenho de vaso de flores e, depois de olhar com bastante atenção, ela diz na hora:

O vaso está muito grande e as folhas estão pequenas e a gente olha de novo e vê aquela porcaria de desenho que antes parecia ótimo, com um vaso enorme e as folhas pequenas demais. Aí ela vê uma tristeza no canto do nosso olho e consola assim:

– Mas não precisa ficar bem igual, você pode fazer um pouco diferente...

E todas as alunas sempre respondem, mesmo sabendo que o vaso não ficou grande de propósito, que foi erro mesmo, todas respondem, um pouco nervosas e coradas:

– É, eu não quero fazer bem igual, eu não sei copiar, porque no fundo a gente gostaria que o desenho fosse como a cadeira e os girassóis, as noites estreladas, e os pinheiros e ciprestes de Van Gogh, se parecendo mais com ele de que com cada uma destas coisas. Só que os nossos não ficam assim, e ainda bem que a gente não teve coragem de confessar esse desejo que molha suas raízes na soberba.

A nossa professora se chama Angélica, e ela ensina com toda a paciência do mundo a molhar e esticar o papel sem nem uma ruguinha, em cima de uma tábua especial que ela chama de prancha, a colorir o fundo de uma cor que escorre sobre a água e dar pinceladas muito bonitas e difíceis. E a gente pensa: Que pena que eu não comecei a aprender antes!

O melhor dia é quando a aquarela fica pronta e a gente corta a fita colante que prende o papel na tábua de madeira especial chamada prancha, e leva a pintura pronta para casa, e pode mostrar para a mãe e para todos os outros familiares. E aí, logo que soltamos o desenho, a professora sempre fala as últimas coisas para nos animar, os pedaços que ficaram melhores e o que a ainda podemos melhorar em outro trabalho.

Mas a hora melhor mesmo é quando a gente vai começar outro desenho num papel bem branquinho e esticado, e pensa quase sem pensar, pensa assim num suspiro:

Esta vai ser a melhor aquarela que eu já fiz.

POSTADO EM 19 DE JULHO
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