Canção para a samambaia
Pudesse eu cantar-te com palavras de vento,
pudesse eu pentear-te com dedos de vento
e me ouvirias,
samambaia,
frescor derramado pela varanda,
cascata aérea,
levíssima chuva de pestanas.
Nenhuma planta como tu
tão caule,
tão seiva e sono e silêncio.
Teu reflexo refresca os vidros
de todos os quadros da parede.
Nos vidros das gravuras
compões
um outro desenho mais puro,
crias iluminuras sobre o retrato da avó
e uma nova pátina no mapa antigo.
À Terra Incognita,
às faces cheias de Bóreas,
às rosáceas e dragões enroscados,
acrescentas novos signos
com teus dizeres de planta.
E tocas de verde as asas dos anjos.
Samambaia,
cabeleira de duende.
Teus brotos enrolados sabem perfeições futuras
e desdobram a folha sem pressa
em gestos calmos de recitativo ingênuo.
Sempre buscando a luz,
virgens no culto ao Sol.
Sacerdotisa,
rapariga de mil braços,
polvo vegetal e lírico,
sereia de muito musgo,
cometa derretido em frescor.
Quando te despencas do vaso,
colo inclinado e tranças pendentes,
olhares longos de castelã silenciosa à janela,
povoas a sala de lendas
e das sombras de cavaleiros antigos.
E ao meu dia-a-dia trazes
a alegria do teu riso despenteado
quando sopra o vento.