Tangerina
É decidida que a unha fura o centro do tambor.
E dedos de camponesa
arrancam teu couro aderente,
o avesso de estopa.
Gotas de sumo – bálsamo, perfume
– aura que te precede.
E um musgo branco de fibras de veludo,
um líquen de sono trançado
anunciam o quarto da donzela.
Agora dedos finos
cuidarão de seu corpo suave
pela ponta das unhas.
E aí a temos nua:
globo aquoso,
translúcido sol líquido,
abóbora de cristal:
tangerina.
Talvez zumbissem abelhas no teu bojo
de vidro luminescente,
contando a história de uma floração de tapete branco.
Agora estás pronta,
a carne velada em papel de seda,
suave e amortecido lalique,
sanfona septada em papel de arroz,
luminária japonesa,
conjunto de páginas de seda.
De vários modos guardaste o sol:
tua casca guardou seu fogo
servindo para acender os fogões de lenha.
E de cada bolha de sumo,
pequenas fagulhas,
estalidos alegres
comemoram teu brinquedo de estrela.
Mas ao abrirmos o livro,
surge entre os dedos o gomo,
perfeição, unidade.
E retirada a pele,
a carne ressuma brilhante
em sua verdade nítida:
a população resplandecente dos bagos adormecidos,
colméia de suco,
ordenado berço do paladar,
reduto do sol e da seiva circulante nos pomares
detidos no coração da fruta,
código visível e encantador.
E decifrada a mensagem,
dourado e seiva, aroma e pólen
e confabulação secreta de raízes
nos são restituídos
no instante
em que um sol afogado nos ilumina a boca
e o paladar se consuma entre jorros de saliva.