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Para Julinha eu queria...

Para Julinha, no mês dos seus quinze anos.
Escrito em 2007, sob encomenda 
da menininha que você era então.

 

São três rapazes, meus filhos,
são dois os netos meninos
e uma netinha, afinal.          
É Júlia, primeira e única,
é Júlia, Lima e Fonseca,
a menina cavaleira,
esta mocinha, que tal?            
Para Julinha eu queria
umas linhas, eu queria,
umas rimas, ou talvez
o olhar morno da preguiça
e a rapidez da cotia
cheirando o ar, eu queria
um filhote de elefante
entrando no mar adentro,
entrando dentro do rio,                               
quero o Amazonas todo
penetrando pelo Negro,
e os botos rosa no meio.
Nos teus olhos de menina,
os noturnos jacarés,
e as onças noturnas todas,
com olhos fosforescentes.
Um leão pelas savanas,
as zebras correndo à frente,
as girafas, elefantes,
os tigres, pandas, veados,
as venenosas serpentes,
a ursa polar e a cria,
já não mais ameaçados
de aquecimento global.
O mar de gelo e as baleias
cantando canções de agosto.
Para Julinha eu queria
aquela explosão de um dia
dos corais, nos arrecifes,  
o mar branco de sementes,
lançadas num mesmo dia. 
O que é mesmo que eu queria?
o que é mesmo que eu dizia...
Ai, Atlântidas submersas
em mares de tempo e sal,    
meus naufrágios escondidos
em barreiras de coral,  
meus Paraísos perdidos 
em esquecimento total,
são minhas horas queridas
sem praias, vento nem sol,
são essas tardes perdidas  
sem mapa, rumo ou farol. 
Para Julinha eu queria,
Assim bem longe, eu queria
os tubarões e as arraias,
mais os dragões de Komodo,
e os antigos dinossauros,
destruídos, afogados,
em catástrofes globais,
terremotos, meteoros,
maremotos e tsunamis,
as pragas de gafanhotos,
os dilúvios e arco-íris,
Krakatoas e outros mais. 
As Pompéias soterradas
em chuvas de fogo e lava,
as Sodomas e Gomorras
destruídas pra jamais.
Para Julinha eu queria
as tartarugas-gigantes,
voltando sempre, voltando,
nos oceanos, buscando,
com seu faro e coração,    
as praias onde nasceram.     
Assim também os salmões,
lutando contra as correntes,
subindo rios, cascatas,
buscando a sua nascente,
como nós, também, buscando,
pela vida, um mapa, um rumo,
uma viagem de ida
que seja também de volta,
e que confira um sentido 
ao mistério de viver.  
Para Julinha eu queria
os olhos das tartarugas  
pondo seus ovos nos ninhos,  
e a explosão também de um dia  
pelos riachos e rios
das efemérides, asas
que já não podem comer, 
procurando o companheiro
para deixar os seus ovos
e logo depois morrer.  
Elas são como as libélulas
ou as leves borboletas,
tão bravas enquanto larvas,
tão bravas como lagartas, 
e, depois, qual lindas fadas!  
E as aves, você sabia,
que voam bem longe um dia,
atrás do Sol, do calor?
E os gansos, minha querida
voam por sobre o Himalaia,
que maravilha, esta vida,
que maravilha viver
os oceanos de espera
por  longínquas primaveras... 
Para Julinha eu queria,
o que é mesmo que eu queria?
ai, Atlântidas perdidas
embaixo de tanto mar...  
O que eu queria te dar
são esses verdes, as águas
que distraem minha dor
onde eu descubro até hoje,    
contemplando este um-só mundo
e lembrando dos meus netos,
que foi muito bom nascer.
Para Julinha eu queria...
o mundo todo, eu queria
um tamanduá-bandeira,
cangurus, koalas, antas,
o que era mais que eu queria?
Era que alguém visse o mundo
pelos meus olhos e visse
que, por mais que os bichos sofram,
que, por mais que os bichos morram,
por mais que haja bichos-papões,
há também lindos pavões.
Nos olhos deles se vê,
nas penas deles se vê
que vale a pena lutar,
que vale a pena sofrer
para olhar bem cada coisa
ir bem ao centro e ao fundo,
ir bem ao fundo, encantar-se,
e então cantar e viver.


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