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Tela
Nas brumas do branco,
o peixe passava,
entre pensamentos
e mudas palavras.
Por névoas de sono
mais finas que as águas,
por trevas e noites
e absolutas albas,
a sombra do peixe
passava e calava.
Em brumas de branco,
a sombra inda passa,
mais leve que antes,
mais desencontrada,
sem boca, sem olho,
perdida entre as malhas.
A luz nas escamas,
o ponto de luz
na ponta da cauda
são gotas de orvalho
em pétala fina,
sem luz que ilumine
internos espaços.
Seu olho não olha,
não vê onde passa,
se passa na terra
entre pedras e casas,
se passa entre as pregas
de brancas mortalhas,
é folha entre as folhas,
dormente, inconsciente
da seiva que passa.
É rumo aprendido,
desempenho apenas
sem ritmo de escolha,
vagando, planando,
fugindo, mordendo,
sem fome, sem morte,
sem nome, sem tato.
Nas brumas do branco,
fantasma da água,
o lábio no dente,
a vida sem data,
carne transparente,
vivida, tragada,
sorvida num gole,
servida entre as algas
– bandeja de prata.
O sangue esvaído,
veias dissecadas,
outros que o provem,
que o toquem, que o sintam,
não prova, não sente,
não sonha, não pensa,
é sonho sonhado
urdido entre as malhas,
as teias de seda
de vãos pensamentos
e estranhas palavras.
Na fímbria do sonho,
cristal, sombra, sono,
mineral e cega
e remota espada.