Noturno II
De madrugada refiz os passos
por esse aéreo quarteirão.
Nas lojas vazias olhei vitrines,
mirei meu rosto em espelhos cinza.
Do fundo das sombras veio uma sombra
e disse o preço de cada instante.
Voltou-se em silêncio de olhos fechados
levando consigo a balança e os pesos.
Em Pompeia comprei dois litros de azeite,
enchi a ânfora com vinho escuro
e o vaso de barro com grãos de trigo.
Em Atenas antiga, o mel e os figos,
em Babilônia, os brincos pingentes,
em Susa, as gazes vindas do leste,
incensos, bálsamos, cosméticos
para a temporada dos festivais.
De madrugada refiz os passos
por intrincadas galerias.
De dentro das tendas chegavam sombras,
iam e vinham, cegas, caladas
e expunham cada mercadoria.
De novo e de novo refiz os passos,
virei as esquinas da noite alta
levando comigo o ouro e a prata,
buscando a casa dos Anjos Dúbios.
Mas a morada longe buscada
era campo raso.
Sentada na rua de grandes pedras
chorei minha sorte.
E o único bem que na verdade eu quis
– joia perfeita oculta no peito,
instante guardado em redoma de vidro –
levaram embora, levaram embora
para nunca mais.