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Noturno III

De que perfumes se fez a noite
onde ingressei pela tua mão?
Quantas insônias, quantos caminhos,
de quantas sombras se fez o rio
sem luz de aurora na outra margem,
nenhuma ponte para o amanhã?

E quantas casas amanhecidas,
e quantas frontes amortecidas,
e quantas frutas há pelo chão!
Sei que houve rostos chorando orvalhos,
sei que houve flores sonhando abelhas
(no céu lavado, quantas estrelas?)
e tantos ramos pensando seivas,
depois o canto, depois o pássaro
chamando o dia e a companheira.
Houve crepúsculos endoidecidos,
houve pomares, houve jardins,
e velhos becos anoitecidos
rosas e murtas, cravos, jasmins.
De que relvados cheirando a chuva,
de que donzelas e que viúvas
cheirando a rosa, mel e maçã
se fez o longo túnel da espera,
se faz a festa desta manhã?

E que promessas e que enganos,
e que florestas e que espantos
atravessei pela tua mão?
E quantos goles e quantas sedes,
e quantas faltas, quantos adeuses
amadurecem nesta canção?

De que perfumes se faz a noite
onde hoje embarco por tua mão?
Quantos encontros, quantos espinhos,
quantas insônias, quantos carinhos,
de quantas sombras se faz o rio
antes que os galos na outra margem
armem a ponte para o amanhã?
Ai, nesta noite, quantos perfumes,
quantos gemidos, quantos sussurros,
quantos venenos de que ciúmes,
quantas perdidas-achadas rotas
abrem a rosa chamada aurora,
destilam sumo nesta manhã!
E então cigarras, pios, zumbidos,
galos, sirenes, sinos, buzinas
farão a festa de um novo dia,
dia de festa, por tua mão.


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