O mar se fez infinito
“Encontrado em Saquarema o corpo do
jovem mergulhador Conrado Malta”
Do noticiário da época
O mar se fez infinito,
se fez infinito o mar
para roubar o menino,
o que gostava do mar.
Renascia todo dia,
um dia não renasceu.
O mar se tornou mais fundo,
o mar chamou-o ao seu mundo,
sem querer, obedeceu.
Procura-se dia e noite,
procura-se sem parar,
anjos negros de borracha
descem ao fundo do mar.
Lançam-se redes dos barcos,
mas tudo volta mais frio
pingando o choro do mar.
O mar se fez mais bonito
para o menino roubar.
Abriu a verde pupila
para guardar o menino
em alçapões de luar.
“– Um homem é tão pequeno,
tão difícil de encontrar!
Ele era quase um menino,
gostava tanto do mar...”
O mar ordenou aos peixes
que não tocassem se corpo.
Abraçou-o exausto e exangue,
foi seu par mais delicado
naquela dança girada,
no seu bailado de morto.
Anfiteatros, salões,
o mar levava o menino
por lentas portas e arcadas.
Sussurrava ao seu ouvido:
– Foste, entre tantos, eleito.
Agora és senhor do verde,
vê nosso reino, que lindo,
vem escolher o teu leito.
Mas os homens de borracha
insistem em mergulhar.
O mar lhes pergunta um dia:
– Por que quereis o menino
que entre vós agora é sombra
sem face, sem canto, sem grito?
Os anjos dizem apenas:
– Nosso menino queremos
– Ele agora é só silêncio...
– Para os adeuses e os ritos.
– Já provastes meu poder
e quereis continuar?
Tenho contrato co´os ventos,
devo obediência aos astros,
sou senhor de um sono verde
que, horizontal como o tempo,
cobre florestas de mastros.
Meus rugidos, meus silêncios,
minhas planícies imensas,
abismos, profundidades,
meus risos, meus colossais
brinquedos de tempestades...
Tão ligeira a vossa morte!
Bastam uns poucos minutos
para um homem se afogar,
não temeis a vossa sorte?
Em vossa casa as mulheres
passam o dia a rezar.
Os anjos dizem: – Tememos,
mas poucas certezas temos
tão retas e definidas:
queremos nosso menino
para os adeuses e os ritos.
Grande é a vossa majestade,
sois senhor das nossas vidas,
mas não da nossa vontade.
Maré baixa, maré cheia,
sol e lua sobre a areia,
nas malhas da maresia,
por cima da ventania,
procuraremos no céu,
procuraremos no mar,
nossas mulheres e filhas
muito terão que rezar.
E os emissários insistem
tanto e sempre e sem parar,
que o mar por fim comovido,
num cansado gesto de onda,
verde suspiro de espuma,
abre as mãos, solta o menino,
devolve à terra o menino
que ele quis tanto guardar.