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Poema entrelaçado
E dormiremos de mãos dadas
entre sedas, mármores e cristais,
no leito alto de madeira escura.
Os ônibus passam cheios.
Presta atenção na carteira
nos bancos de trás.
Dormiremos lado a lado,
minha mão sobre teu ventre
semeando esculturas.
Sob luzes surdinadas.
Cuidado com os pivetes.
Menino não sai de relógio
ou com muito dinheiro.
Dormiremos de mãos dadas,
e se os reposteiros se abrirem,
as luzes de néon varrerão nossos corpos
– vermelho azul branco vermelho –
e deles farão jorrar fontes.
(Além, um farol varre a noite
e a maresia pode impregnar certos sonhos...)
Dormiremos, dormiremos.
Um salário mínimo não dá para viver.
E esse pessoal vem do subúrbio,
esquenta marmita
e é sempre tanto filho pra criar...
Dormiremos, dormiremos
com as sombras das samambaias enleadas nos cabelos
e luas transitando opalas sobre as pálpebras fechadas,
a ramagem breve das avencas entre os dedos.
(E o bosque tramado de acúleos,
o riacho gorgolejando entre as pedras,
os pavões pelos jardins antigos.)
Entre reposteiros e cortinas, mansamente,
mal se ouve o riacho entre as pedras.
Balearam o homem em frente da nossa janela.
A faxineira estava limpando os vidros e assistiu.
Mas fui eu que vi a moça caindo
do quinto andar.
Parecia um boneco, nem pude acreditar que era gente,
o porteiro foi conferir.
O pior foi o barulho fofo
que fez no chão.
Dormiremos em leito de plumas
após os vinhos claros em altos copos,
veludos corridos sobre todos os gestos.
E haverá fios de pérolas, sussurros e cílios baixos.
E quando se assopram as velas
a nudez é mais confiada
no leito alto de madeira escura.
Com todos os sonhos entranhados.
Gritaram “pega ladrão” e ele ainda tentou fugir.
Mas deram muita porrada e levaram no camburão.
E tinha só dezessete anos.