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Retalhos

Esse derreter-se nos olhos, ah! esse tremor das mãos.
Saudades na pele.

Subo a escada suja. No segundo andar
estão fazendo café.

Havia lua no céu. Até isso.
Sobre a copa das árvores
o vento, de raso, nem mexia as folhas.
E brilhava – talhada miúda boiando no céu – até isso.
Estou com frio, ela disse.
Você quer meu casaco? ele perguntou
já cobrindo-lhe os ombros.
Abraçou-a tão carinho, ela sorria
quando respondeu: e você?

Hoje no ônibus, aquele cara se encostando em mim,
eu achando esquisito,
(minha mãe, eu pequena, querendo explicar, nunca fale com
desconhecidos, tem uns homens que se aproveitam das meninas, o que é se aproveitar, mãe?)
O homem roçava em mim, olhei bem a cara dele.
Quando cheguei em casa, faltava a carteira, na bolsa.

Está frio, ela disse.
Mas o frio maior foi dentro,
o vento nem mexia as folhas
e a praça, a praça tinha até coreto. Até isso.

Quando chego mais cedo,
as portas ainda fechadas,
nem tiraram o pó das mesas.
Cheiro bom de café. Cheiro forte.

O frio maior foi dentro.
Tremia quando ele falou
o que já sabia. Sabia
mas antes podia fingir.
Equilibrar-se em corda bamba,
inventar mentiras, castelos de cartas. Nem vento.
Longe a verdade brilhando, cascalho de pedras
(não quero, não quero ver).
Agora, não, palavras ditas,
verdade ofuscando perto.
Até coreto. Até isso. Tão fim de século

Nas ruas transversais, amendoeiras
já verde-tenro. (Verde-amarelo é nossa bandeira. O hino que
eu mais gosto é o salve-lindo-pendão-da-esperança-salve-
símbolo-augusto-da-paz. Dona Clotilde, pátio da escola.)
Andaram graves sob a sombra folhuda
suspensos do fio do olhar.
Era dia na praia – ali
quase noite.
Névoa molhada, salsugem chegando,
embaçando os óculos, os olhos,
molhando o rosto, o peito por dentro,
salgando a boca. Também lágrima?
Castelo de cartas. Vento gelado na penugem dos braços.

Cheiro bom de café, cheiro honesto
entranhando tudo. Salsugem.
A faxineira abriu a porta de blindex,
me oferece, agradeço em silêncio.
Assino o ponto.


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